BASES FISIOLÓGICAS PARA O TREINO DA CRIANÇA

 

 

Abel A. Figueiredo

1994

 

 

 

 

CARACTERIZAÇÃO GERAL

A infância caracteriza-se por ser um período de grande actividade motora, havendo um predomínio dos impulsos cereprais do núcleo pálido e uma menor sensação subjectiva de esforço que consolidam o movimento como uma necessidade ao crescimento (aumento do tamanho do corpo e das suas partes), desenvolvimento (modificações funcionais que ocorrem com o crescimento, fruto da diferenciação característica da especialização funcional) e maturação (processo de chegada funcional à forma adulta).

O treino deve ser encorajado desde a infância e deve ser administrado em conformidade com a idade e o nível de desenvolvimento.

O princípio geral é o de que a criança não é uma "redução" do adulto, pelo que o treino do pré-adolescente não é um treino mais reduzido do do adulto. O heterocronismo do crescimento e desenvolvimento dos vários sistemas e estruturas não compatibilizam um raciocínio redutor, mas antes, um raciocínio individualizador.

O crescimento em altura e peso é muito rápido nos primeiros dois anos de vida, atingindo as raparigas o pico da taxa de crescimento aos 12 anos e os rapazes aos 14 para a altura e aos 14,5 para o peso. O peso acaba o seu aumento aos 16, 5 anos para as raparigas e aos 18 anos para os rapazes.

As células gordas (adipócitos) aumentam em tamanho e em número durante toda a vida. Se ao nascimento a percentagem de massa gorda varia entre os 10 e os 12%, na mulher adulta ela é de cerca de 25% da sua massa total e nos homens 15%.

A mielinização das fibras nervosas está na base do desenvolvimento do sistema nervoso. Ela ocorre muito rapidamente durante a infância, mas continua mesmo após a puberdade. Este processo é o fundamento do desenvolvimento do equilíbrio, da coordenação e agilidade.

As habilidades motoras na generalidade aumentam para os rapazes até aos 18 anos de idade e, nas raparigas, estabilizam pela puberdade.

 

TREINO AERÓBIO

No que respeita às funções pulmonares, é de evidenciar que todos os volumes pulmorares crescem em relação directa com o crescimento corporal.

Estando a pressão arterial directamente relacionada com o tamanho corporal, é menor nas crianças crescendo até aos valores do adulto nos últimos dez anos.

Em exercícios maximais e submaximais a frequência cardiaca é mais elevada do que a do adulto como fenómeno compensador do menor volume sanguíneo e do menor volume sistólico. Em exercícios submaximais o aumento da diferença artério-venosa em oxigénio indica o seu aporte adequado para os músculos activos.

O pico do VO2 máx. é atingido entre os 17 e 21 anos para os rapazes e entre os 12 e os 15 anos para as raparigas

O treino aeróbio não provoca grandes alterações no VO2 máx. dos pré-adolescentes mas a sua prestação aeróbia aumenta com o treino aeróbio. Após a puberdade, os incrementos do VO2 máx. são muito mais significativos.

A regulação térmica das crianças parece ser menos eficaz do que a dos adultos em condições extremas.

 

TREINO ANAERÓBIO

Ao nível anaeróbio a criança tem uma menor capacidade glicolítica principalmente causada por uma menor concentração de fosfofrutoquinase, produzindo menos lactato do que o adulto. As respostas de potência anaeróbia são menores que as do adulto.

O treino anaeróbio melhora a capacidade anaeróbia das crianças ao aumentar os níveis basais de fosfocreatina, ATP e glicogénio, ao aumentar a actividade da fosfofrutoquinase e os níveis maximais de lactato sanguíneo.

Se em termos de concentrações de ATP e CP não encontramos diferenças significativas em relação ao adulto, já no que respeita às concentrações de lactato sanguíneo tal não se verifica. O conteúdo mitocontreal das células musculares infantis é superior ao do adulto, sendo o seu metabolismo preponderantemente aeróbio. A criança não consegue fazer exercícios que a forcem demasiado a ir à fonte glicolítica, ou seja, exercícios em dívida de oxigénio, pelo que as contrações musculares intensas, para trabalho de força, nunca deverão ultrapassar os 60 segundos, de forma a não incrementar demasiado a produção energética à custa da fonte lática.

 

TREINO DA FORÇA

A ossificação inicia-se ao nível das diáfises e posteriormente nas epífises (topos ósseos). O crescimento ósseo é afectado pelo exercício. O exercício controlado afecta positivamente o fortalecimento do osso, o aumento da sua densidade e da sua largura. O treino intensivo descontrolado e o exercício com cargas externas excessivas (taco de basebol, raqueta de ténis - cotovelo, resistência da água na natação - ombro) levam a lesões epifisárias que causam o términus precoce do crescimento ósseo.

O crescimento muscular fundamenta-se essencialmente na hipertrofia (crescimento em tamanho) e não na hiperplasia (crescimento em número de células musculares - fibras) quase negligenciável. Este crescimento muscular assenta no aumento do número de miofilamentos e de miofibrilhas em cada célula muscular, assim como, no caso do comprimento, no aumento do número de sarcómeros ao nível da junção do músculo com o tendão. Só para os rapazes é que se verifica um pico na taxa de crescimento da massa muscular quando aumenta dramaticamente a taxa de produção de testoesterona durante a puberdade masculina. Se para as raparigas o pico de massa muscular atinge-se entre os 16 e os 20 anos, para os rapazes esse pico acontece entre os 18 e os 25 anos.

A força aumenta com o aumento da massa muscular pela idade e com a maturação do sistema nervoso já que o controlo neuromuscular é limitado até à completa mielinização finalizada por volta da maturação sexual.

O treino da força com utilização de cargas externas (resistance training) leva a incrementos assentes em factores de ordem neurológica e não nas modificações do tamanho dos músculos. O incremento da força promove a melhoria da coordenação motora, o aumento da activação das unidades motoras e outras adaptações neuromusculares.

O treino regular faz decrescer a percentagem total de massa gorda corporal e faz incrementar a massa corporal total, com incidência preponderante sobre a massa magra.

Se na generalidade do treino infantil não se devem utilizar cargas externas além do peso corporal, para não afetar os ossos ainda flexíveis e com menor resistência à pressão e os tecidos tendinosos e ligamentosos ainda não suficientemente resistentes a grandes tracções, após os 14-15 anos podem-se utilizar cargas externas com alguns cuidados: 6 a 15 repetições por série e 1 a 3 séries por exercício; após 15 repetições em forma correcta, aumentar a resistência  em um terço; o treino decorrerá duas a três vezes por semana com sessões de 20 a 30 minutos de duração. Nunca se devem utilizar cargas máximas, devendo todos os exercícios ser executados em toda a alplitude enfatizando os exercícios dinâmicos concêntricos; não se deverá esquecer o aquecimento antes do treino e o retorno à calma após, sendo o treino da força uma das componentes do programa global de treino.

 

BIBLIOGRAFIA DE SUPORTE

 

WILMORE, Jack; COSTILL, David (1994), "Growth, Development, and the Young Athlete" in: Physiology of Sport and Exercise, Human Kinetics, Champaign, pp. 400-421.

WEINECK, J. (1986), "Bases Biológico-Esportivas para Treinamento da Criança e do Adolescente" in:  Manual do Treinamento Esportivo, Editora Manole, São Paulo.

MASSICOTtE, D. (1985), "A Criança e a Actividade Física", in: NADEAU, M.; PÉRONNET, F., Fisiologia Aplicada na Actividade Física, Manole, São Paulo.

BORMS, Jan (1985), "A Criança e o Exercício: Uma Visão Global", Motricidade Humana, ISEF-UTL, Cruz Quebrada, Vl. 1, nº2, Junho-Dezembro, pp. 21-38.

 



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