O CONTROLO DOS IMPACTOS

NO KARATE DESPORTIVO

 

Comparação de Parâmetros Cinemáticos na Execução de uma Técnica (OI-ZUKI), Com e Sem Controlo do Impacto

 

 

 

Abel A. Figueiredo

 

Estudo de 1989

 

 

 

RESUMO

 

A situação que o autor encontrou para este estudo encerra problemas comuns, quer a uma dinâmica competitiva (regra do controlo), quer ainda a uma dinâmica de transmissão de impactos. Tendo separado estes dois tipos de situação de execução de uma técnica de Karate (OI-ZUKI), procurou analisar as posições que alguns pontos corporais dos executantes ocupariam numa e noutra, assim como algumas distâncias entre eles definíveis, e mesmo entre algumas medidas temporais. No instante de impacto (bloco III), aplicando a técnica estatística de Wilcoxon, encontrou diferenças significativas entre a situação de Controlo e a situação de Impacto, em alguns parâmetros cinemáticos.

Nesta edição electrónica, mantém-se a apresentação de 1989 (com alguns desajustes temporais, portanto) sem a apresentação dos extensos anexos, nem das figuras que integraram o estudo original.

 

 

 

ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO

II.     REVISÃO DA LITERATURA 

III.    A "SITUAÇÃO" NO KARATE

        III.1. A Situação "Kumité"

        III.2. A Situação "Oi-zuki" 

IV.     METODOLOGIA

        IV.1. Pressupostos

        IV.2. Amostra 

        IV.3. Execução 

V. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 

VI.     DISCUSSÃO

VII.    CONCLUSÕES

VIII.   PROLONGAMENTOS

IX.     BIBLIOGRAFIA

X. ANEXOS

 

 

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTOS

 

 

Tenho de agradecer aos atletas amigos que tiveram a amabilidade de se deslocar à FMH-UTL, onde se realizaram as filmagens; à DGD, na pessoa do Dr. Saraiva, pelas possibilidades que me deram na utilização do computador Philips; ao Dr. João Carvalho, pela cedência do programa de computador; ao Dr. António Veloso, e ao Prof. Doutor João Abrantes pelo apoio e indicações prestadas durante a realização de todo o trabalho.

 

 

 

 

I. INTRODUÇÃO

 

 

A ancestralidade das artes marciais orientais remonta à Índia e à China com a mitológica figura de Bodidarma (o iluminado). Conta a lenda que, vindo do Sul da Índia, ingressou num templo budista chinês (Shaolin) onde introduziu, juntamente com os métodos de meditação chan (zen no Japão), um conjunto de exercícios. Se inicialmente tinham uma perspectiva higiénico-terapêutica (séc. VI--VII), posteriormente vão dar origem aos métodos marciais chineses denominados no ocidente por Kung‑Fu, cuja génese vai sendo marcante, e porque não marcada, por muitas outras artes marciais de toda aquela região do extremo oriente.

 

No que respeita ao Karate [1], o seu desenvolvimento foi acontecendo numa pequena ilha situada ao Sul do Japão (Okinawa) cuja posição geográfica lhe foi permitindo contactos passageiros entre o Japão, a China, a Coreia, a Formosa, a Tailândia, as Filipinas, e outras grandes potências comerciais contemporâneas naquelas regiões. Entre esses contactos, houve mesmo alguns movimentos de disputa territorial, principalmente entre a China e o Japão, que finalizaram em 1868 ao passar definitivamente a território Japonês.

 

É no ano seguinte (1869) que, em Okinawa, nasce um personagem importante para a génese do Karate: Gichin Funakoshi. Treinando desde cedo sob a orientação de dois dos melhores praticantes de luta Okinawense (o To-de - "mão chinesa"), e grande estudioso da cultura nipónica, em 1922 é convidado pela organização de uma Exibição Atlética de Todo o Japão, para apresentar o Karate de Okinawa em Tóquio.

 

Tendo tido impacto favorável, logo se desenvolveram contactos para que o mestre Funakoshi ficasse no continente a ensinar a arte marcial de Okinawa. Em 1924 é formado o primeiro clube de Karate na universidade de Keio, seguido por Takushoku (Takudai), Waseda, e Hosei entre outros (Noble, 1985, p.7).

 

No entanto, é na década de 1935 a 1945 que, sob a influência do filho de G. Funakoshi, o Yoshitaka Funakoshi, o Karate moderno se vai impondo com uma dinâmica diferente que culmina com os primeiros campeonatos Japoneses de Karate, um ano após a morte de G. Funakoshi (1869-1957).

 

Este movimento inovador desde logo teve opositores a afirmar que as regras impostas deformavam os princípios tradicionais do Karate como arte marcial e, ainda hoje, há Karatecas que se opõem à participação competitiva no Kumité (combate), tal como se encontra regulamentado pelas regras da WUKO (World Union of Karatedo Organizations - reconhecida pelo Comité Olímpico Internacional desde 1985).

 

Assim, se por um lado existem Escolas ("estilos") de Karate cuja competição se baseia na transmissão de impactos, utilizando para isso protecções diversas (luvas, coquilhas, plastrons, etc.), no outro extremo há Escolas onde não se preconiza qualquer institucionalização do combate em jogo competitivo.

 

A WUKO, e outras organizações, aceitam o jogo em que não se transmitem totalmente os impactos e, tendo como regra base o controlo do contacto, principalmente ao nível do rosto (princípio de sun-dome: os ataques param antes de que exista o impacto), a avaliação passa a ser feita com base em indicadores como: "boa forma, atitude correcta, aplicação vigorosa, zanshin [2], timing adequado e distância correcta (Andersen, 1983, art.6, nº 3).

 

Não será necessário realçar a importância que têm as regras desportivas para a segurança dos praticantes, e, no entanto, não se procurando debater aqui esse princípio, emerge um problema que tem de ser muito bem resolvido: se por um lado existe a competição baseada nas regras de controlo dos  impactos, cujo resultado é objectivo de uma avaliação próxima da qualitativa, por outro, o seu significado é a transmissão dos impactos, sendo aquela avaliação baseada neste significado.

 

Uma das componentes essenciais para a atribuição de pontos aos atletas é a observação cinemática do comportamento motor dos executantes, pelo que, a questão que colocámos para responder nesse trabalho foi: não será o resultado "competitivo" cinematicamente diferente do resultado "marcial"?.

 

Passaremos pela revisão da literatura e caracterização de alguns aspectos da prova de Kumité, identificando o nosso problema e algumas questões subjacentes à criação laboratorial da situação que utilizaremos para, de forma controlada, poder retirar informações úteis à questão que se caracterizou. Abordam-se depois a metodologia, a apresentação dos resultados, a sua discussão e, por fim, a conclusão.

 

 


NOTAS DO CAPÍTULO I

 

 

 

[1] - "kara" é vazio e "te" é mão. Habitualmente denomina-se karatedo, onde se chama a atenção para o "do", a via, comum à maioria das artes marciais, como evolução moderna dos "bushi" para "budo". Este assunto foi desenvolvido em trabalho do autor, não publicado, com a orientação da Drª Manuela Hasse: A Génese do Karate em Okinawa, Gabinete de Antropologia e História das Actividades Corporais, ISEF-UTL, 1985/86.

 

[2] - "zan" é subsistir; "shin" é espírito. Costuma ser traduzido como espírito alerta, vigilante. Esta atitude, mesmo após o impacto, deve permanecer, subsistir.

 

 


II. REVISÃO DA LITERATURA

 

Como desporto de combate que é (tarefa aberta e responsabilidade individual), a complexidade de variáveis influenciadoras na prestação dos indivíduos é enorme. Talvez esta complexidade dimensional aliada à inércia que tem travado a investigação científica no domínio das "artes marciais", verdadeiramente assentes numa cultura estranha ao conhecimento científico e tradicionalmente marcada por um conhecimento empírico, sejam as principais causas da falta de literatura séria sobre este assunto.

 

O "tecnicismo" reducionista e adulterante da totalidade humana é notório em algumas passagens dos textos consultados, já para não falar na maioria dos livros de Karate que se têm escrito. Todo o edifício didáctico parte da  "técnica",  minuciosamente  estandardizada,  e  dali modela-se o "corpo-intrumento", notando-se uma tendência centrípeta para o "corpo-mestre" [3].

 

Manuel Sérgio refere-nos que "Todo o corte epistemológico supõe novos textos, invoca novos contextos, exige novos discursos. E especialistas que os digam e pratiquem (...) (M. Sérgio, 1987, p. 144). Foram precisamente este tipo de preocupações que se notaram essenciais à busca bibliográfica, e posteriormente à metodologia do nosso trabalho.

 

Vamos apresentar, dos estudos consultados, apenas aqueles que contribuíram para a situalização do nosso problema, lançando um ponto de partida consolidador para a sua resolução.

 

Em primeiro lugar queremos destacar o artigo de Josef Lozi (1985), onde se estudou a relação entre a posição do pé da perna de trás e o tempo de execução de um oi-zuki (soco directo) em zen-kutsu-dashi (situação em que o peso se encontra preponderantemente suportado pela perna da frente). Verificou que não houve diferenças significativas no tempo de execução do oi-zuki para um saco, ao se modificar o ângulo da direcção do referido pé, tendo partido da hipótese de que o tempo diminuiria com a rotação do pé de trás para um ângulo de zero graus com a direcção do impacto (trás-frente).

 

Este mesmo autor refere-nos ainda que Plagenhoef concluiu, em 1971 que "a energia que pode ser transferida do corpo humano para um objecto, depende da massa golpeadora (striking mass), da velocidade dessa massa e da rigidez do corpo humano" (LOZI, 1985, p. 135).

 

A velocidade daquela massa golpeadora é fundamental para a concretizaçao do objectivo do executante. O efeito da força - seja em ordem ao tempo, seja em ordem ao deslocamento do centro de massa daquela massa - está relacionado com a variação da quantidade de movimento, ou com a variação da respectiva energia cinética.

 

A massa revela-se determinante, pelo que, devido ao corpo humano ser um sistema articulado, torna-se evidente a importância da referida "rigidez", através dos bloqueamentos articulares, no sentido de se aumentar a massa total a participar no impacto.

 

Plagenhoef (1971), refere que a massa golpeadora, no golfe, é mais variável do que a velocidade da extremidade do taco, e embora não o refira quando aborda o pugilismo ou o Karate, é provável que a velocidade seja menos variável do que a massa golpeadora. Note-se que, em 1985a, Smith e Hamill, verificaram que tendo como variável independente o tempo de prática (nível de habilidade), em três grupos (baixo, intermédio e alto nível), não se verificaram diferenças significativas na velocidade do punho. O mesmo fez Smith, dois anos mais tarde, em estudo similar (SMITH, 1987). Parece pois que a velocidade do punho não é significativamente influenciável pelo treino.

 

Em relação à coordenação específica, como forma de conseguir colocar no alvo a atingir, os valores eficazes de massa golpeadora a que já nos referimos (m*v), notaram-se diferenças significativas no momento de força (variação da velocidade angular) do saco, após o impacto, entre o grupo de alto nível de prática e os outros dois (SMITH e HAMILL, 1985). Além disso, Lozi (1985), refere que o tronco, punho e tornozelo não atingiram os picos de velocidade ao mesmo tempo, pelo que, inferimos, os picos de aceleração, e por isso, as forças parcelares, não são síncronas. Há uma sucessão que pode ser mais ou menos rentabilizadora do efeito pretendido. A coordenação específica apresenta-se-nos como treinável: se os que têm maior tempo de prática melhoram o resultado, a anacronia dos picos de força poderá ser rentabilizada.

 

No entanto, no estudo posterior que Smith (1987) fez, não se encontraram aquelas diferenças no momento de força do saco, o que, em parte, veio pôr em causa essa treinabilidade, pelo menos de modo significativo.

 

A título de resumo, se tivermos como referência os estudos de Plagenhoef (1971); Lozi (1985); Smith e Hamill (1985); e de Smith (1987), podemos retirar as seguintes conclusões:

 

Quando a posição do pé do executante se modifica para uma outra que, "teoricamente", seria mais rentável (a zero graus com a direcção do impacto), outras variáveis determinantes modificaram-se também: a distribuição do peso pelos apoios e o comprimento e largura do polígono de sustentação. E mais, os valores médios deste comprimento e daquela distribuição do peso pelos apoios eram diferentes dos sugeridos pelos autores de livros de Karate.

 

Uma outra é a de que deve existir uma relação óptima entre o referido comprimento da posição e o ângulo da perna de trás com a linha horizontal definida pelo plano do solo e as forças do sistema gestual (as muscularmente desenvolvidas pelo executante contra o solo, o seu peso, as forças de atrito), para acelerar, o mais rápido possível, o corpo para a frente.

 

Uma terceira, a de que o tronco, punho e tornozelo não atingiram os seus respectivos picos de velocidade simultaneamente, mas, pelo contrário, sucessivamente, o que nos realça a necessidade de um bom nível de coordenação. Esta, quanto a nós, não separa as partes, antes as une numa dinâmica imprescindível ao consumar de um objectivo.

 

Outra conclusão que rebate a noção que pretendemos transmitir é a de que, tendo sido utilizados 3 grupos de diferentes níveis de habilidade (tempo de prática) - variável independente - , quer a velocidade (1985, 1987), quer o momento do saco (apenas no estudo mais recente) - variáveis dependentes - não sofrem variação significativa entre qualquer dos grupos, o que porá em causa os sistemas de ensino e treino que se fundamentam em evoluções neste pressuposto.

 

Foi tendo estas conclusões em linha de conta que passámos à procura de uma situação eficaz à pesquisa no nosso problema que surge no conhecimento mais pontual da situação de Jogo Competitivo que passaremos a abordar.


NOTAS DO CAPÍTULO II

 

 

 

[3] - Este assunto, que aqui não exploraremos, foi bem retratado por Ehremberg, em 1976: Eremberg A. "La Pédagogie du Karate et le 'Corps du Maitre'", Quel Corps, Paris, Editions Solin, nº 6, Set.-Dez., 1976, pp.39-42.

 


III.  A "SITUAÇÃO" NO KARATE

 

 

III.I.  A Situação de "Kumité"

 

A prova de Kumité, tendo várias expressões possíveis (por categorias de pesos, por escalões etários, por sexos, individuais ou por equipas), é um tipo de encontro dual caracterizado por uma oposição directa e onde existe o contacto físico controlado. Naquela prova ocorrem movimentos acíclicos de luta inerme: deslocamentos (translações), rotações, saltos e varrimentos, como acções técnico‑tácticas preparatórias de outras: socos e pontapés directos, cruzados ou circulares, blocagens, derivações, esquivas, etc.

 

A área em que ocorre é de 64 metros quadrados (8 por 8), tendo uma duração limite de 2, 3 ou mesmo 5 minutos; normalmente só as finais são de 5 minutos e as eliminatórias, dependendo das organizações, são de 2 ou 3. Sem intervalos, existem interrupções possíveis determinadas pelo árbitro principal, sempre que ocorram acções explícitas possíveis de serem pontuadas. Actualmente um ippon ("ponto") equivale a dois wasaris (Andersen, 1983, art. 6, nº 2) e o combate pode terminar antes do fim do tempo limite com a pontuação correspondente a 3 ippons, no caso de ser Sambon Kumité, ou a 1 ippon, no caso de ser uma prova de Ippon  Kumité [4].

 

A pontuação é atribuída pelos juízes, com base em indicadores que não os resultantes do impacto [5].

 

Para uma melhor avaliação, sendo três juízes, um coloca--se junto à mesa de controlo, onde estão o marcador e o cronometrista, mantendo um contacto entre estes e o decorrer do combate. Os outros colocam-se lateralmente ao plano vertical definido pelos dois praticantes, um de um lado e o outro do outro, como forma de percepcionarem melhor as acções dos competidores.

 

Desde já queremos realçar que o referenciador do ippon continua a ser o combate com o sentido "marcial". É perante uma forma, atitude, timing (tempo de entrada) e distância eficazes [6] a um impacto, numa luta dual, que os juízes avaliam a acção, para além de outros critérios que rotularemos de "não mecânicos", mas que são sempre considerados. Sem possibilidades de avaliação dos efeitos dos impactos sobre os competidores, recorre-se a outros indicadores, logo outros resultados.

 

Decorrendo de todo este contexto, a questão que colocámos a seguir foi: não será o resultado "competitivo" cinematicamente diferente do resultado "marcial"?

 

Se realmente são expressões diferentes, o que trará consequências sobre a necessária especificidade do treino, continuar a julgar a eficácia da(s) técnica(s) pela observação cinemática das execuções, será assumir, institucionalmente, uma demarcação clara por objectivos bastante diferentes dos inspiradores ao nascimento do Karate. Isto levará à necessidade de escolha: ou por um Karate mais "marcial", conotado com o sentido próprio do combate real, ou por um Karate mais "desportivo", conotado com um sentido de jogo competitivo. Ambos são muito válidos quando, como instrumentos de desenvolvimento humano, são orientados e praticados com seriedade.

 

 

III.2.  A Situação "OI ZUKI"

 

É em jogo/combate que o executante percebe uma determinada "abertura" na guarda do adversário, ou manipula as respostas destes para que essa abertura surja. Estando a determinada distância e com um determinado ritmo, resolve concretizar determinado objectivo da maneira que considera mais adequada à situação (eu-outro-envolvimento). Por trás da resolução de concretizar um impacto, estão um conjunto de leituras diversas da situação e, na tentativa de encontrar uma coerência de análise não demasiado adulterante, costumamos referir que essas leituras (Yoshi - como uma das dimensões do Karate), dizem respeito a problemas de distâncias (Maai) e de ritmos ou cadências (Yomi).

 

A técnica, ou a forma de conseguir transmitir o impacto, decorre então de uma análise anterior de problemas diversos, e isso acontece para todas: é o que queremos dizer com o significado da técnica. Aquela análise, perante os objectivos do Karateca, pode implicar uma maior ou menor complexidade na resposta. Sabemos que dentro do nosso problema de estudo há movimentos que, devido à sua maior complexidade, se tornam mais difíceis de controlar. Por exemplo, quanto maior o número de graus de liberdade e maiores as acelerações e o número de músculos implicados na técnica, maior será a dificuldade em se conseguir travar o movimento quando a velocidade linear do punho se aproxima do valor máximo (o correspondente ao instante de impacto).

 

Encontrámos pois conveniente que à situação utilizada neste trabalho estivesse inerente a utilização de massas musculares suficientes que implicassem, teoricamente, uma necessidade de controlo motor diferente entre a situação de impacto e a situação de não impacto, o que acontece com a maioria das acções técnicas dos karatecas. Por outro lado, pretendia-se apresentar uma situação que os sujeitos resolvessem indo à actualidade do seu gesto, sem os conduzir para situações "novas".

 

Por fim, sabe-se que a precisão das técnicas dos membros superiores (punhos) costuma ser de mais fácil controlo do que a dos membros inferiores (pés).

 

Face ao conhecimento pessoal da progressão normal dentro da modalidade, e por isso, conhecedor do tipo de situações "base" que estão habituados a resolver, tinha pressupostos para escolher uma situação que, dentro daqueles requisitos, interessasse a este estudo. Optou-se pelo estudo de uma situação a ser resolvida por um impacto através de um soco, colocando um saco a uma distância determinada, o que levava a um passo de aceleração em direcção ao alvo. Este género de soco, é um OI‑ZUKI.

 

Da mesma forma que noutros gestos deste género, o objectivo "não restrito" [7] que podemos afirmar que o executante tem,  é o de transmitir um impacto (uma força num intervalo de tempo tendente para zero) a determinadas zonas anatómicas de um adversário. O vínculo mais utilizado costuma ser o punho,  mais precisamente, a zona posterior das extremidades proximais dos terceiro e quarto dedos da mão, junto aos côndilos dos respectivos metacarpos. A mão, por sua vez, assume uma flexão de todas as articulações dos dedos, e destes com o metacarpo, de forma a aumentar os bloqueamentos de todas as suas articulações para potencializar adequadas transmissões dos impactos. Assim consegue-se uma pequena e rija superfície de impacto denominada Seiken. Note-se no entanto que a utilização desta superfície é uma das possibilidades na transmissão do impacto através de um movimento em tsuki (directo). Podem-se utilizar diversas superfícies de impacto.

 

O punho é acelerado à custa da extensão do respectivo cotovelo e ombro e a esta aceleração adiciona-se a que o executante, de uma forma coordenada, consegue imprimir ao seu centro de massa (c.m.), no sentido do impacto.

 

O executante "parte" de uma posição com um "comprido" [8] polígono de sustentação, definido por um apoio à frente do outro, e onde, para facilitar o deslocamento para a frente, a linha de gravidade (a linha imaginária que, perpendicular ao solo, passa pelo centro de massa) está mais próxima do apoio dianteiro, cujo membro inferior está mais flectido e, por isso, com o c.m. relativamente baixo. Quando o karateca aumenta o comprimento do seu polígono de sustentação e baixa o seu c.g., flectindo os membros inferiores, o que ele pretende é incrementar o potencial de acção com maiores componentes horizontais de forças possíveis de aplicar contra o solo, na direcção do comprimento do referido polígono, e cuja reacção lhe interessa de forma a que, por exemplo, à aceleração por ali imposta ao c.g., se adicione a dos outros segmentos, com vista a uma acção em determinado sentido. A expressão  mecânica de tais comportamentos motores fundamenta-se nos vínculos que o sistema gestual comporta, ou seja, nos vínculos entre o karateca e o meio, sendo, na maioria das situações do Karate, dos pés com o solo.

 

Num modelo descritivo, como forma de perceber melhor as respectivas condições de entrada e de saída, e a respectiva função de transferência, poderíamos avançar com a identificação de três blocos (subsistemas do sistema geral que é o gesto técnico na sua globalidade). O primeiro bloco, o de "impulsão inicial", tem como função a execução de um impulso inicial que lhe permita vencer a respectiva quantidade de movimento, incrementando a sua energia cinética no sentido do impacto. Esse impulso é feito com o apoio posterior cuja reacção lhe permite passar a linha de gravidade para a frente do apoio dianteiro. A partir daqui, estas condições de saída são as de entrada no bloco seguinte, o de "incremento da impulsão". É através da extensão do outro membro inferior, que passa agora a estar a trás (em relação ao sentido executante-alvo) da linha de gravidade, que o executante aplica um impulso determinado sobre o solo, interessando-nos a resultante horizontal que,  transmitindo-se ao c.m., incrementa ainda mais a sua quantidade de movimento no sentido pretendido. Além disto, neste bloco há um conjunto de acções coordenadas que conduzem ao incremento da aceleração relativa do punho, o que leva a que o punho adquira uma determinada aceleração absoluta no "instante de impacto", o terceiro bloco.

 

No entanto, a eficácia de um gesto como o OI-ZUKI não depende exclusivamente da variação da velocidade do punho: tal como noutros desportos de combate em que se objectiva explicitamente (regra desportiva) o impacto, a sua eficácia depende também, e falamos de um ponto de vista restritamente mecânico, da massa posta em movimento para tal impacto (massas parcelares, coordenação dos movimentos das alavancas, força específica para os bloqueamentos articulares, capacidades perceptivo-motoras de ajustamento ao parceiro em movimento, etc.), da superfície de pressão utilizada pelo executante, da sua resistència ao choque e da mesma resistência por parte da superfície que recebe o impacto.

 

As condições de entrada de um bloco influenciam a sua função de transferência, logo as respectivas condições de saída. Em situações de jogo, devido à complexidade das variáveis inerentes, as condições de entrada e saída não são sempre as mesmas, e é isso que dá uma grande riqueza aos Desportos de Combate. A função do terceiro bloco vai depender dos anteriores, ou seja, das condições de entrada daquele, logo tem que existir uma certa estabilidade naquelas condições, para que os resultados se tornem comparáveis.

 

Do já dito, a situação que permita comparar os resultados de vários indivíduos na execução com controlo com os resultados na execução com impacto, deverá:

 

- Ter, como função, a transmissão de um impacto.

 

- Permitir a sua execução numa prova de Kumité.

 

- Implicar necessidades problemáticas no controlo do atemi.

 

- Não implicar grandes problemas na sua execução actual.

 

- Ser comum a todos os indivíduos.

 

- Ser suficientemente estável.

 

O OI-ZUKI surgiu-nos como situação que pode englobar tais requisitos. Face ao nosso problema, interessa-nos muito mais o que acontece no instante do impacto, ou seja, é no bloco III que nos interessará estudar as relações existentes entre a situação de impacto e a situação de controlo. Isto não nega as possibilidades de estudo dos outros blocos, pelo contrário: sendo as condições de entrada de um, muito influenciadas pelas condições de saída do bloco imediatamente anterior (senão as mesmas), torna-se evidente a sua globalidade para um objectivo cujo significado se esbate no transmitir a um alvo (adversário), uma energia determinada, através da criação de um vínculo que o possibilite fazer com eficácia num intervalo de tempo muito curto. Assim há um tempo em que o executante incrementa a energia cinética do seu corpo (blocos I e II), para depois a transmitir ao alvo referido.


NOTAS DO CAPÍTULO III

 

 

 

[4] - Esta última versão foi, à cerca de dois anos, adoptada pela WUKO, face à influência, relativamente grande, de organizações internacionais como a IAKF, e de outras com bastante peso: JKA (Japão), KUGB (Inglaterra), etc.

 

[5] - Há, no entanto, que considerar uma certa "permeabilidade" da regra do controlo dos impactos, no que diz respeito às técnicas feitas ao nível do tronco ("shodan"), onde se verifica uma menor preocupação em parar o movimento antes do impacto. Isto acontece devido à estrutura anatómica dessa região corporal possibilitar um maior "encaixe" dos respectivos impactos, o que já não acontece em regiões como o rosto, por exemplo. É ainda, com base na preocupação de controlo dos impactos, que aparecem os ataques proibidos, o que vem, desde logo, provocar diferenças significativas entre o combate sem tais restrições e o Kumité.

 

[6] - A eficácia depende do objectivo (valor visado) e do efeito (valor efectivo) da acção do executante. Quanto mais o segundo aspecto se aproxima do primeiro, mais eficaz se diz tal execução. Ligamos este conceito ao de eficiência, de capacidade de produzir um efeito, de rentabilidade, de melhor uso da energia.

Num domínio mais lato recorremos às máximas de Jigoro Kano (fundador do Judo): JI TA KYO EI e SEI RYOKU SEN-YO. Jeof Gleeson traduz a primeira como "a sociedade beneficia com o desenvolvimento individual de cada um" e a segunda como "a utilização moralmente justa da capacidade total de cada um" (GLEESON, 1975 pp. 113-114). Assim, a tradução da segunda como "o melhor uso da energia" ou ainda "máxima eficácia" e a primeira como "prosperidade mútua" ou "benefícios mútuos", encerra um pouco mais de significados do que os sugeridos.

Aquela eficácia tem, pois, uma conotação lata e restrita, querendo no entanto referir uma visão divergente do conceito: há diversas soluções apropriadas na resolução de uma situação; o que se opõe à visão convergente: há uma solução adequada para a resolução da situação.

 

[7] - "Não restrito" é aqui utilizado num sentido conotado com o significado do gesto quando encarado na luta inerme com o sentido marcial, ou seja, o sentido inicial quando encaramos a génese do Karate (sem regras desportivas).

 

[8] - "Comprido" é aqui utilizado para realçar a importância do afastamento dos vínculos com o solo (pés), no plano que direcciona a movimentação pretendida. Assim potencializam‑se os valores da velocidade horizontal.

 


IV. METODOLOGIA

 

IV.I.  Pressupostos

 

A questão das hipóteses fica-nos mais clara ao se perceber que elas servem para explicitar uma teoria. O que se propõe neste estudo não é isso, mas antes o estudo de uma relação entre a execução de um gesto de Karate numa situação de controlo do impacto, e a mesma execução em situação de impacto. À priori, temos apenas assente, em linhas gerais, conteúdos que se pretendem estudar, ou seja, procuraremos as relações cinemáticas estabelecidas entre duas situações específicas de execução do OI-ZUKI:

 

- Uma em que é pedida a máxima transmissão de energia a um alvo (saco) através de tal gesto técnico.

 

- Outra em que é pedida a expressão dessa máxima trasmissão de energia, controlando no entanto o contacto (tal como se faz em competição).

 

Perante estas duas situações, não sendo possível estudar as velocidades, devido a insuficiências de equipamento, propusemos o estudo das relações espaciais (distâncias) estabelecidas entre as cadeias cinemáticas (segmentos corporais do corpo) e destas com o alvo.

 

Podemos definir assim o nosso sistema gestual: por um lado o executante, por outro, no que respeita ao meio, as relações estabelecidas, no instante do impacto, com o alvo (distâncias diversas) e com o solo (forças nele aplicadas).

 

A nossa preocupação metodológica fundamental foi a de se criar uma situação laboratorial que conseguisse responder às exigências do estudo. Se, inicialmente, devido ao próprio problema motor, se estava motivado para a questão dos parâmetros cinemáticos, evoluiu-se no sentido de aproveitar algumas condições laboratoriais que nos auxiliassem no seu estudo, como seja a plataforma de forças e o registo quantitativo da força transmitida ao alvo. O tipo de estudo possível de realizar, foi ficando mais claro à medida que se ia avançando na execução metodológica.

 

Não vamos pedir nenhuma posição estandardizada (nota 6), mas apenas que se coloquem numa posição rentável à execução potente de um soco directo para um saco imóvel. Já demasiado é, face ao objectivo proposto, o restringir o gesto ao soco directo para tal alvo: dar um soco num parceiro que se move de forma livre é diferente de dar um soco num saco. A decisão por aplicar um soco directo, como já vimos, é influenciável por muitas variáveis inerentes aos Desportos de Combate. Houve insuficiências tecnológicas que tivemos de assim ultrapassar, encontrando uma situação que se apresentasse estável o suficiente para se poderem comparar as execuções.

 

 

IV.2.  Amostra

 

A amostra foi constituída por sete indivíduos do sexo masculino, com uma idade média de 31 anos (+/-6), sendo o valor mínimo de 25 anos e o máximo de 44. O seu peso tem uma média de 71 Kgf (+/-5), entre 64 Kgf e 77 Kgf. Quanto à altura, com uma média de 1,73 m, e um desvio padrão de 0,045 m, ficam entre 1,68 m e 1,82 m. Entre 8 e 24 anos, têm um tempo de prática médio de 15,4 anos (+/- 4,96 anos), sendo a média das graduações, entre o 1º e 4º dan, de 2º dan (+/- 1 dan).

 

Todos eles participaram em competições nacionais e internacionais, havendo apenas um elemento (C) cuja última competição não foi efectuada no ano da triagem (1989) - não foi expurgado porque a resolução da situação de controlo de aproximou do padrão normal de técnica pontuável, segundo a opinião de três peritos (árbitros nacionais de karate).

 

 

IV.3.  Execução

 

Depois de vários testes com sacos de diversas massas, escolhemos um com 5,50 Kg, que, enchido com serradura e desperdiço, ficou com uma altura de 0,47 m, e um diâmetro de 0,16 m.

 

Escolhemos uma altura idêntica ao nível shodan (médio), para que a força a transmitir ao saco fosse o mais perpendicular possível à tangente horizontal definida no ponto de impacto. A zona de impacto ficou a uma altura de 1,10 m, pelo que a corda utilizada tinha 0,84 m.

 

Esta medida não se mostrou como a mais adequada ao estudo da situação de controlo do impacto, precisamente porque a nível shodan (médio), a regra do controlo do impacto é mais permeável, ao contrário do nível jodan (alto).

 

O sistema de registo de imagens, foi composto por um Gravador Philips Video 2000, modelo VR 2220, acoplado a um sintonizador Philips VR 2120, e por uma câmara Philips, vídeo 400 modelo VR 4033, o que permitiu obter imagens em banda vídeo com uma frequência de 50 imagens por segundo. A câmara foi colocada num plano vertical perpendicular ao definido pelo eixo executante-saco, tal qual a colocação dos árbitros, com a objectiva a uma altura de 1,33 m, por inerência ao próprio tripé, e de forma que a zona intermédia entre o executante e o saco ficasse mesmo à frente, tendo-se utilizado um referencial tridimensional para colocar a câmara de forma a evitar problemas derivados da angularidade da lente. Para se conseguir registar a execução e o momento do saco, houve necessidade de, à distância máxima possível de 6,30 m, utilizar uma lente macro Cosmicar de 8 mm, 1:1.4.

 

A corda branca com cerca de 1,5 cm de espessura, tornou--se mais visível com a colocação horizontal, de 10,0 cm em 10,0 cm, de várias tiras de fita preta com 2,0 cm de largura, obtendo-se desta forma um referencial de escala vertical. A corda ficou com 84,0 cm de comprimento e com a massa de 20 g. 

 

Ainda numa perspectiva de tornar mais visível determinados pormenores na execução, colocou-se, utilizando um quadro como suporte, papel de cenário de cor creme, à frente da câmara, por trás do plano vertical da execução, obtendo um "fundo" com 3,50 m de largura e 1,90 m de altura. Note-se que este "fundo" não abarcava a totalidade dos objectos a registar em vídeo, mas permitiu um contraste eficaz no registo dos pormenores do executante, principalmente no instante de impacto. O plano vertical definido pelo "fundo" ficou a uma distância de 0,88 m do plano vertical que passa pelo meio do comprimento da plataforma situada no chão. Esta distância surge face à necessidade de uma certa liberdade de acção por parte do executante, não só em relação ao próprio papel, mas essencialmente em relação aos pés do quadro de suporte.

 

O papel foi ainda utilizado como referencial,  marcando--se a 1,0 m de altura, uma linha horizontal, com a fita preta já referida em cima. Nessa linha definiram-se, de metro em metro, traços verticais, obtendo uma escala horizontal de medida, possível de utilizar na observação posterior.

 

Também a 0,88 m do plano vertical que passa pelo meio do comprimento da plataforma de forças, foi marcado outro referencial de medida horizontal, no chão, pela colagem de uma fita branca de 0,05 m de largura, paralelamente ao plano do cenário, colocando naquela fita bocados de fita preta, de metro em metro, obtendo-se um outro referencial horizontal, por sua vez mais próximo da câmara. Como veremos mais à frente, isto mostrou-se essencial à determinação da escala de medida a que correspondia a movimentação do cursor, na retirada das distâncias entre os pontos materiais definidos.

 

A identificação das imagens foi feita utilizando três folhas do tipo "A4", com letras e números pintados com marcador azul, em formato grosso, e colocadas no canto superior esquerdo do "fundo", sendo, da esquerda para a direita, a primeira, identificadora do executante, por uma letra do abecedário; a segunda, a da situação, ou por um I (impacto) ou por um C (controlo); e a terceira, a correspondente ao número da execução (1 ou 2).

 

Para o registo das forças executadas no solo, pelo vínculo posterior do bloco III, utilizou-se a plataforma de forças Kistler, e respectiva amplitude de sinal, tipo 9807, com capacidade de medida de 6 componentes de forças, que enviava o sinal ao osciloscópio digital Gould OS 4200, ligado a um interface IEEE 488. Por sua vez, este sistema estava ligado a um microcomputador Topis Inter, com um microprocessador 8086, com 640 RAM, que permitia o registo do sinal do osciloscópio em disquetes de 5 polegadas e um quarto. O osciloscópio permitia registos em memória a uma escala temporal regulável, tendo sido utilizada a de 1 segundo.

 

Os indivíduos foram sendo pessoalmente contactados, tentando encontrar um horário viável à sua deslocação ao Laboratório de Biomecânica do ISEF, em C. Quebrada. Todos os registos foram feitos de 5 de Junho a 4 de Julho, e isto para conseguir 13, num horário flexível, tendo utilizado dias úteis e fins de semana, de acordo com as disponibilidades já referidas.

 

A rotina do protocolo consistia em mostrar o Laboratório aos indivíduos, pedir para que se equipassem, que aquecessem, enquanto se ia dizendo o tipo de tarefa que iriam realizar: "um soco para o saco pendurado, com uma potência eficaz a um K.O.". Durante o aquecimento dava-se um período de cerca de 5 minutos de adaptação ao saco, permitindo um aquecimento específico. Quando o sujeito estava pronto, pedia-se que se colocasse atrás do risco indicado na plataforma (a 0.18 m de distância horizontal do bordo mais próximo do saco) e, colocando-nos atrás do saco e à frente do executante, pedíamos que imaginasse que estava em situação de combate real e que, em determinada altura, face a uma abertura evidente na guarda do adversário, diferiria um soco a acertar no risco preto no centro do saco, tendo como única restrição o facto de ter de partir de uma posição estática e de não mexer o pé de apoio da frente mais ou menos até ao impacto. Após sinais de indicação de entendimento da tarefa, era pedido que nos dissesse que tipo de movimento tencionava fazer face àquela distância (1,73 m). A resposta era posteriormente registada na ficha de dados (anexo 1). Depois explicava-se que não se poderia mexer muito antes de fazer o movimento, em virtude de despoletar o registo no osciloscópio. Ligava-se a câmara e armava-se o osciloscópio, após qual se dizia o que devia fazer. Caso a execução não tivesse sido minimamente precisa (deslocamento do saco), efectuava-se a sua repetição.

 

A seguir, desligada a câmara, passava-se o registo do osciloscópio para a disquete e mudava-se a identificação do número da execução. Pedia-se a repetição e, terminada esta, pedia-se para fazer o mesmo movimento, mas, em vez de objectivar o K.O., "imaginando-se em situação de competição", controlava o gesto como se fosse marcar uma técnica ao rosto, mas fazendo-o à mesma marca no saco. Registava-se tudo novamente, e, por fim, explicavam-se os objectivos e o problema a estudar com este trabalho, fazendo algumas interpretações das suas curvas de força registadas, pedindo--lhes para preencherem uma ficha.

 

O registo em cassete Vídeo 2000 foi passado para sistema Sony U‑MATIC, modelo KCA-60BRS, com um Gravador Vídeo Sony U-MATIC, modelo VO-58BRS.

 

Para a análise das imagens registadas utilizou-se o  sistema U‑MATIC referido anteriormente, conectado com um computador Philips NMS8280, com uma memória vídeo de 128 kbytes e igual memória de utilização. Através do programa "Philips Vídeo Graphics" de A. Kaene, tornou-se possível achar as distâncias por um sistema de referência dado pelo programa, colocando o cursor nos pontos pretendidos da imagem seleccionada, registando, em ficha própria, as coordenadas respectivas. O referencial, dado que a câmara permaneceu sempre na mesma posição, era o referencial do programa, sem qualquer ajustamento.

 

A resolução do sistema de coordenadas era de 255 pontos da esquerda para a direita, na horizontal, e de 211 pontos de cima para baixo, na vertical. Pelas escalas de referencia que utilizámos, obtivemos que um metro correspondia, na horizontal, a 48 pontos, e na vertical a 66, o que para cada ponto horizontal dava uma distância de cerca de 0,020 m (2.083) e na vertical cerca de 0,015 m (1.515).

 

Após a análise de todas as execuções, passou-se ao registo de alguns dados necessários para quantificar algumas diferenças notadas, e mesmo para tentar ver se existiriam diferenças que, embora não notadas, de uma forma sistemática nos tirariam as dúvidas sobre a sua existência ou não.

 

Tornava-se importante conhecer a fidelidade do observador, o que foi determinado através da conhecida fórmula de Belack que relaciona o número de acordos (A) com os desacordos (D) na proporção seguinte: [(A)/(A+D)]*100. Utilizámos três observações de um registo expurgado (execução com controlo), tendo obtido um índice de fidelidade de 95,3%, o que era perfeitamente satisfatório.

 

Escolhemos o instante do impacto como momento fundamental de análise e quantificação das posições de pontos corporais considerados como fonte de informações diversas. No entanto, considerou-se também importante recolher informações sobre o bloco inicial. Assim, logo no bloco I temos: a porção mais anterior do cinto, não apenas como abordagem grosseira ao centro de massa, mas também para dar indicações sobre a posição da cintura pélvica; a posição da ponta quer do apoio da frente, quer do de trás, o que nos permitiria perceber o comprimento horizontal do polígono de sustentação; também a posição do limite anterior do punho foi registada nesse bloco. No bloco III, como pertinente ao objectivo deste estudo determinámos: além das posições já referidas no bloco anterior, a posição da cabeça, pela parte mais anterior do cabelo e a do centro articular da escapulo umeral do membro superior vínculo do impacto, encontrado pela relação entre a cabeça, ombros, tronco e membro superior respectivo. Ter-se-ia tornado mais fácil a terminação deste centro articular, se os indivíduos tivessem resolvido a situação em tronco nu, mas face às possibilidades de interferência na pessoalidade de cada um, podendo este tipo de situação influenciar a respectiva prestação, optou-se por que as condições de execução se aproximassem das da própria prova competitiva.

 

Paralelamente, determinaram-se medidas de referencial: não só um ponto marcado no "fundo", situado logo abaixo do saco, numa distância média da sua largura, e no prosseguimento da corda que o prendia, ao qual denominámos como "ponto de gravidade do saco" (p.g.s.), como também a parte da linha horizontal do c.m. do saco (fita preta) mais próxima do executante. Com estas medidas posicionais, procurámos também obter medidas temporais, e tendo determinado que se identificavam 50 imagens por segundo, o que dava 20 milisegundos (ms) para cada imagem,  registaram--se os valores de imagens, obtidos em: toda a execução, deste um instante correspondente à passagem da cabeça pelo cursor colocado dois pontos (4 cm) à sua frente, quando o executante estava imóvel, até ao instante do impacto; desde a saída de contacto com o solo do apoio traseiro no bloco I até ao instante de impacto; e a terceira medida temporal disse respeito ao intervalo de impacto (tempo de aplicação do impacto), não com o objectivo de comparação idêntica às outras medidas, mas para saber isso. Por fim determinava-se a posição do ponto da linha horizontal de impacto marcada no saco, mais perto do executante, no primeiro instante, após o impacto, em que a velocidade do saco era aproximadamente zero, obtendo a posição final do saco, resultante do impacto aplicado.

 

Com aquelas "medidas directas", obtidas das coordenadas, elaborámos um conjunto de "medidas compostas": diferença entre o punho e o ombro, o que daria uma noção do grau de flexão do cotovelo; com a diferença do cinto com ponto de gravidade do saco (p.g.s.) obtivemos informações sobre o grau de aproximação da cintura pélvica em relação ao saco; da relação horizontal entre o p.g.s. e o apoio dianteiro, tinha-se a noção exacta do grau de aproximação deste apoio; tal como da diferença entre o apoio dianteiro e o traseiro se conseguia perceber a variação do comprimento desse polígono; outra medida que fizemos foi a da relação horizontal entre a cabeça e o cinto, dando um grau grosseiro da inclinação do tronco e da cabeça, tal como a sua relação vertical daria o grau da flexão desta.

 

Para possibilitar a comparação inter-individual, preocupámo-nos com a determinação de uma medida relativizadora dos valores absolutos encontrados. Construímos uma escala de ponderação das medidas, com base nas medidas retiradas e nos valores de escala conhecidos. Note-se que, não sendo este o rumo que o tratamento dos dados levou, não foi utilizada, e só aqui refiro isto como exemplo de tratamento diferente dos dados. As preocupações identificaram-se mais com as relações encontradas entre as situações I e C, para determinadas variáveis, num grupo de karatecas.

 

A seguir, apresentam-se os resultados obtidos.

 


V.  APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

 

 

 

Registados todos os dados obtidos directamente da leitura das coordenadas ("directos"), em quadros gerais (anexo 2), passámos a um primeiro tratamento, achando a média das posições das duas execuções em cada situação, passando apenas a lidar com estes valores (anexo 3). De seguida, agrupámos estes em duas colunas: uma referente à situação de impacto (I) e outra referente à situação de controlo (C) (anexo 4). O nosso objectivo era o de procurar quantificar as diferenças existentes entre o conjunto de dados da amostra, em situação de impacto, e os dados da mesma amostra em situação em controlo, pelo que, fomos agrupar os vários pontos identificadores da posição de cada uma das variáveis "posição" ou "tempo de duração", em duas outras variáveis dadas pela situação de impacto, por um lado, e pela de controlo, por outro, com cujas diferenças se podia observar as respectivas variações. Note-se que a preocupação deste estudo não é propriamente a de tentar perceber se a posição relativa de algumas partes do corpo é ou não dependente da situação ser de controlo do impacto ou ser de impacto, mas antes a de perceber se há diferenças cinemáticas entre a execução de uma técnica quando efectuada com controlo e quando efectuada sem controlo do impacto.

 

Para os dados obtidos através da relação entre duas medidas directas, os dados "compostos", elaborámos um quadro semelhante, também para que se obtivesse a sua listagem, permitindo uma primeira impressão sobre a relação entre uma e outra situação (I e C) (anexo 5).

 

Destes dados obtemos que o comprimento do polígono de sustentação da posição inicial destes sujeitos, rondou os 0,76 m para a posição de impacto e 0,73 m na de controlo, enquanto que, no instante de impacto, a distância horizontal entre os dois apoios, que nem sempre se encontravam em contacto com o solo, no instante preciso do impacto, foi de 1,29 m para I e 1,08 m para C.

 

De seguida para ter um apanhado inicial das diferenças, fizemos a subtracção dos valores da situação de impacto, pelos valores da situação de controlo (I-C), cujos resultados estão no anexo 6 e 7, respectivamente para os dados directos e para os compostos.

 

Para estabelecer um determinado grau de significância daquelas diferenças, aplicou-se uma prova estatística. Escolhemos a prova de Wilcoxon, por ser uma técnica não paramétrica, adequando-se ao nosso N, comparando amostras relacionadas e proporcionando valores de diferenças que podem ser ordenadas segundo os seus valores absolutos, o que se ajustava ao tipo de comparações que se pretendia fazer (ver SIEGEL, 1981, pp. 84-89; 285). Para a sua aplicação utilizámos o "Haessle STAT pack", integrado no Sistema Operativo VAX-VMS no ISEF-UTL, tendo formatado os dados em "outlay", aplicando-lhes depois, não só a estatística de base (médias e desvios padrão), mas também o teste já referido.

 

A interpretação dos resultados, em termos de grau de significância, foi feita com base no valor bilateral (porque o sinal das diferenças não era previsível) de P=0.05 (aceitam-se que apenas 5% das diferenças sejam devidas ao acaso), pelo que se aceitam como significativas as diferenças com um P</=0.05. Nos dados obtidos do teste do STAT, para esta prova, os níveis de significância bilaterais vêm referidos com valores de 2*P, precisamente porque para a prova unilateral o nível de significância será o valor de P=(2*P)/2. Interessa-nos pois o valor referido como 2*P.

 

Em relação aos dados directos (anexo 6), no bloco I obtivemos resultados do quadro XIX, onde apenas têm realce as diferenças significativas na componente horizontal do pé dianteiro (Pd1), enquanto no bloco III (quadros XX e XXI) as diferenças abrangem, com um maior grau de significância, as componentes horizontais das posições do pé dianteiro (Pd2), do ombro (Omb), do punho (Pnh) e da cabeça (Cab), seguidas das componentes verticais da Cab, e depois das do pé traseiro (Pt2), seguidas das do Pd2 e Omb. Todos os 2*P das outras posições obtidas dos dados directos são menores que 0.05. Também os dados referenciais, como o ponto de marcação da linha de gravidade do saco, não têm diferenças significativas, como é óbvio.

 

Nos dados de duração (quadro XXII) não se obtiveram diferenças significativas, sendo a duração total até ao impacto, cerca de 680 ms (34 im/s), e a desde a saída do Pt1 até ao impacto - a duração do bloco II, cerca de 400 ms. Os impactos, variando entre os 70 ms e os 110 ms, apontaram a média para os 92 ms.

 

Nas medidas compostas, nos "comprimentos" (diferença horizontal), e nas "alturas" (diferença vertical), como se pode ver no anexo 7, não encontrámos diferenças significativas no comprimento, nem na diferença de alturas, do polígono de sustentação do bloco I; já o mesmo se não pode dizer em relação ao bloco III, onde encontrámos diferenças com um maior grau de significância nas componentes horizontais, quer do polígono definido pelos dois apoios, quer do comprimento definido entre o Punho e o Ombro (Pnh-Omb), quer ainda entre as distâncias do apoio dianteiro e linha de gravidade do saco (Pd2-Pgs) e do saco ao cinto (sac-cin) (2*P=0.018), encontrando-se logo a seguir um grau de significância de 0.043, logo significativo, para a componente vertical entre o Pnh e o Omb, medida que nos dá a subida ou descida de um em relação ao outro (Pun-Omb). Quer a componente vertical da relação entre os dois pés, no instante de impacto, quer as relações entre a Cabeça e o cinto (Cab-cin), segundo esta técnica estatística e para o grau de significância considerado, não são diferenciáveis pela situação ser de impacto ou de controlo.

 


VI.  DISCUSSÃO

 

 

A partir dos dados compostos obtêm-se alguns destaques. Se não é notória a diferença entre as médias na posição do bloco I (Pd1-Pt1), já o mesmo se não verifica em relação ao Pd2-Pt2. Esta medida apresenta médias mais distantes nas componentes horizontais, sendo também notório que o Pt2 fica, de uma forma mais homogénea, com valores maiores do que os do Pd2 na situação de controlo, o que se interpreta porque os sujeitos, nesta situação, atingem o alvo sempre depois, ou no momento da chegada do Pd2 à horizontalidade do outro apoio (Pt2), cujos valores são, na maioria dos executantes, superiores na situação de impacto, e, além disso, distanciando-se pouco dos valores que tinham no bloco I. Os valores negativos de y (comp. vertical) na medida composta Pt2-Pd1 (quadro XVI) significam que este pé, o que é o vínculo principal no instante de impacto, está mais a cima em Pd1 do que em Pt2, ou seja, está numa trajectória mais distante do solo. Se isto se verifica para todos os executantes na situação de impacto, tal já não acontece na de controlo (veja-se o mesmo quadro, notando que quanto maiores os valores de y, mais abaixo do ecrã se encontra a posição).

 

No entanto, a significância das diferenças é maior que 0.05 (2*P), como se pode ver no quadro XXIII, pelo que essas diferenças encontradas, são consideradas como não significativas, na comparação desta medida composta (Pt2-Pd1) em situação de impacto com a situação de controlo, objecto deste estudo.

 

Deste modo, pretendendo nós encontrar uma relação possível entre as posições e distâncias medidas, e ainda entre as durações identificadas, com o facto de se situarem em execução de impacto ou em execução de controlo, começam a emergir, como hipóteses, as influências que algumas daquelas variáveis (posições, distâncias, durações) sofrem do facto de ser uma situação I ou de ser uma situação C, ou seja: será que há dependência daquelas variáveis em relação a estas?

 

Foi com a prova de Wilcoxon, que significámos as diferenças que fomos encontrando (a partir do anexo 5).

 

As diferenças significativas na posição do Pé dianteiro no bloco I (Pd1) interpretam-se como uma tendência geral para avançar mais este pé na situação de Impacto, e isto  apesar de existir uma marca referenciadora do local de colocação do Pé, o que nos pode levar a inferir que, sem ela, seria mais notória a diferença encontrada. Na situação utilizada, as diferenças nunca ultrapassaram os 10 cm.

 

Este pé, que passa a ser o Pt2 no bloco III, tem comportamento diferente neste bloco: embora se note uma certa tendência geral para avançá-lo mais na situação de impacto, é um facto que dois dos indivíduos da amostra fazem precisamente o contrário, isto é, avançam mais o Pé na situação de controlo (um 17 cm, e outro 20 cm), talvez para recuperar mais rápido o equilíbrio, o que poderia acontecer por causa de um tempo de execução menor e/ou por causa da posição relativa do apoio anterior: quanto mais à frente for a recuperação do equilíbrio, em relação ao c. m., maior a necessidade da utilização do outro apoio para contrariar a acção da gravidade (peso). Apenas no indivíduo A se notam estas condições, pelo que não é aceitável como causa.

 

Onde se verifica uma tendência para a dependência da situação ser de I ou de C, é na sua componente vertical, com uma tendência para a maior aproximação do solo em situação I. Apenas com estes dados sobre o comportamento cinemático daquele apoio, não se poderá avançar muito mais: 5 dos 7 indivíduos avançam e baixam mais o Pt2 quando em I, o que significa que o fazem mais em trajectória descendente, do que quando controlam o impacto.

 

Esta recuperação mais rápida do apoio deverá ser compensadora do maior avanço que todos fazem do apoio dianteiro, quando em Situação I. É conveniente referir que os valores de y, quando muito juntos ao limite inferior do ecrã do monitor de observação, tornam-se de impossível determinação porque, a partir de determinado valor (211), o programa de "coordenadas" não permitia a sua leitura. Assim, muitos dos valores 211, são "superiores", ou seja, estão ainda mais abaixo do que o considerado. Ainda em relação à componente y, há que referir que as deslocações laterais, no sentido da aproximação do ecrã, surgem com valores cada vez maiores, porque cada vez mais perto do "211". Por estas duas razões seria vantajosa a informação paralela sobre a posição do pé, aérea ou em contacto com o solo, ou da fase ascendente ou descendente.

 

Se a variação da posição da zona anterior do cinto não é significativamente afectada pelo tipo de situação (I ou C), já o mesmo não se passa em relação ao Ombro, Cabeça e componente horizontal do Punho, sempre no sentido da maior aproximação do alvo na situação de Impacto, e de abaixamento do Ombro na situação de controlo.

 

Este baixar de Omb e Cab acontece devido à aceleração negativa (travagem) do movimento, ou seja: são uma decomposição vertical da velocidade (v) com que estas partes vinham animadas numa direcção horizontal, e mais evidentemente, devido à quantidade de movimento (mv) com que vinham animados. Se o eixo de rotação, no bloco II é o vínculo que se situa na plataforma, quando o outro contacta o chão, no bloco III, criam-se novos eixos de rotação, novas velocidades angulares (w), que serão tanto maiores quanto mais elevada for a variação da velocidade do Pd2, o único vínculo que, na situação C, estabelece contacto com o meio; em I, ao contrário de C, há a força de reacção que se recebe do saco, num instante em que os momentos das alavancas e os bloqueamentos articulares tentam rentabilizar o mv total em direcção ao alvo.

 

Na situação de controlo (C), como é admissível, o punho está sempre mais a trás do que na situação de impacto (I), e a relação estabelecida entre o Pnh e o saco, em ambas as componentes, podem conduzir a um índice de precisão que poderá ser vantajoso em situações de diagnóstico.

 

No impacto, a distância entre os dois apoios é sempre maior, e esse resultado deve-se, em grande parte, ao Pd2 e à dinâmica que este assume em relação ao alvo, pois já vimos como a variação do Pt2 não é significativamente influenciável pelo tipo de situação, ao contrário do Pd2, além de que, reforçando ainda mais esta ideia, há diferenças que são significativamente resultantes do facto de acontecerem em situação C ou I, como seja a diferença entre o Pd2 e a linha de gravidade do saco.

 

Este último dado é notável, no sentido de dar um 2*P inferior ao que dá a posição do Pd2, pelo que, como medida composta, o grau de significância aumenta, tal como acontece com a posição do cinto, que não é significativamente influenciável em termos absolutos, mas que, quando relativizada ao referencial p.g.s., assume valores de significância que nos fazem afirmar a influência que a situação impacto tem sobre a redução desta  distância  (sac-cin).

 

Na situação C e no instante de impacto, a distância entre o Omb e o Pnh é sempre maior que no mesmo instante, na situação I, o que nos leva a inferir que para um impacto eficaz o membro superior não está em extensão total, mas, pelo contrário, caminha ainda para ela, o que não é a dinâmica corrente da marcação da técnica em competição (em extensão completa bem definida). Por aqui, o raciocínio não pode ser no sentido de que "se não tivesse controlado teria sido um impacto eficaz", mas antes: "se tivesse atingido o alvo antes de marcar o ponto, poderia ter sido um impacto eficaz" (pelo menos em termos cinemáticos).

 

Se a esta diferença se adicionar o facto de uma situação colocar problemas de bloqueamentos articulares no sentido da rentabilização da quantidade de movimento (mv) conseguida em direcção ao alvo, enquanto a outra coloca problemas de se conseguirem criar momentos de força compensatórios aos momentos de força com que as alavancas vêm animadas, obrigando a acelerar negativamente (travar) num determinado instante, podemos inferir com um maior grau de coerência teórica que o facto de fazer bem uma coisa não implica necessariamente o fazer bem a outra.

 


VII. CONCLUSÕES

 

Tendo em conta as limitações do estudo que apresentámos, principalmente porque a amostra utilizada foi pequena, o que põe em causa a normalidade da distribuição dos dados, e não foi construída aleatoriamente, a dimensão interpretativa dos dados não pode ser muito privilegiada. No entanto, sem pretender universalizar, apontam-se algumas conclusões importantes.

 

Quando a situação é de Impacto, há uma convergência aproximativa das posições das variáveis estudadas em direcção ao alvo.

 

Quanto aos dados temporais estudados, não encontrámos diferenças significativas.

 

Tendo utilizado uma amostra com elementos de várias escolas ("estilos"), não houve constância nos resultados obtidos por qualquer grupo de indivíduos, pelo que, a este nível, as diferenças entre escolas esbatem-se, o que facilmente é perceptível pela heterogeneidade das posições que cada variável vai ocupando.

 

Podemos assim afirmar que nos karatecas observados, de nível competitivo nacional, o comportamento cinemático em relação a um alvo parece dependente do tipo de situação ser de Impacto ou de Controlo. Se neste estudo não permite assumir claramente isto, permite-nos afirmar que, o comportamento cinemático daqueles karatecas em situação de controlo é significativamente diferente do seu comportamento em situação de impacto.

 

As diferenças significativas encontradas apontam, em relação às distâncias estabelecidas com o alvo, para uma estruturação diferente do combate. Realce-se, no que diz respeito à dinâmica dual, a dimensão espaço-temporal: há uma maior necessidade de aproximação do adversário quando a situação de jogo implica a transmissão de impactos. As repercussões que isto traz para o treino são evidentes, não só a nível das qualidades motoras, mas também a nível técnico, táctico-estratégico e psicológico. Assim, demarca-se indiscutivelmente a especificidade do treino face aos objectivos competitivos com as regras da WUKO, e assumir a diferença optando pelo karate desportivo é assumir a demarcação clara por objectivos diferentes dos inspiradores ao nascimento do Karate.

 

 Mas, para terminar ultrapassando o âmbito específico deste trabalho, isto não leva claramente à necessidade de escolha ou por um Karate mais "marcial", conotado com o sentido próprio do combate real, ou por um Karate mais "desportivo", conotado com um sentido de jogo competitivo. Ambos, enquanto meios e não fins em si mesmos, podem ser muito válidos como instrumentos de desenvolvimento humano, quando orientados e praticados com conhecimento. No entanto, fica claro que existem especificidades próprias a cada um.

 


VIII. PROLONGAMENTOS

 

 

Tendo encontrado relações significativamente determinantes entre o tipo de situação (I ou C) e o comportamento de algumas variáveis cinemáticas, urge estudar melhor a função, no sentido de encontrar sobre que variáveis independentes actua para fazer variar as dependentes. Ao que nos parece, não será a escola ("estilo"), mas convém utilizar amostras maiores de várias escolas para consolidar o que aqui nos surge.

 

Julgamos importante passar ao estudo das variáveis de tipo antropométrico, controlando também o tipo de variável dependente a estudar: por exemplo, estudar a influência da altura sobre o comprimento Pnh-Omb (flexão do braço), ou a relação desta com o peso, etc. Quem diz variáveis antropométricas, diz também outro tipo de variáveis, tais como o tempo de prática competitiva ou a graduação, os níveis de força ou flexibilidade, o nível de fadiga, etc., etc.

 

Note-se  ainda  que,   no  sentido  de  comparar  inter--individualmente os resultados, será conveniente obter uma medida relativa. Talvez, com equipamentos de maior precisão de escala, se consiga dividir os valores dos comprimentos encontrados pelo comprimento de um membro superior. Não sabemos até que ponto será isso viável.

 

Além dos dados apresentados no presente estudo, por um erro na utilização do programa de registo dos dados do osciloscópio, não podemos verificar a grandeza de uma diferença a estudar melhor: notou-se, na maioria dos casos, que a componente horizontal da força exercida contra o chão tinha menores amplitudes e menores períodos em situação de controlo, o que vem de acordo com os dados encontrados neste estudo. Neste sentido, um dos prolongamentos será o de se verificar até que ponto as componentes horizontais, e mesmo outras, das forças exercidas pelo vínculo sobre o solo, serão afectadas pelo facto de se executar em situação de impacto ou em situação de controlo. Após este estudo, poderemos melhor compreender as relações entre os valores cinemáticos e os valores dinâmicos.

 

Ainda em relação aos valores cinemáticos, seria interessante comparar as velocidades nas duas situações.

 

Um outro prolongamento que daqui decorre diz respeito ao estudo específico das repercussões que os diferentes tipos de treino trazem ao nível das qualidades motoras, técnico, táctico-estratégico e psicológico (as componentes do treino).

 

A terminar, queria apenas referir que este tipo de situação laboratorial serve para diagnosticar prestações do género da estudada, dando indicações sobre a precisão, o tipo de forças aplicadas no chão, podendo-se ainda desenvolver formas de determinação da força de impacto, estudando de seguida a rentabilização entre a força aplicada no solo e a que se desenvolve no alvo.


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